Acessar o perfil de ex-cônjuge em rede social, publicando mensagem como se fosse o titular da conta, viola direitos de personalidade assegurados no inciso X do artigo 5º da Constituição. Caracterizado o ato ilícito, há a obrigação de reparar a parte ofendida, como dispõe o artigo 927 do Código Civil.
Por isso, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu apelação de um homem que teve a sua conta na rede social Facebook invadida pela ex-companheira, revoltada por não receber a pensão alimentícia da filha. O colegiado reformou a sentença de improcedência, arbitrando a indenização por danos morais em módicos R$ 300, considerando as razões da ré e o pouco caso do autor com a segurança de sua senha.
Fazendo-se passar pelo ex-cônjuge, a ré postou na página dele uma mensagem em tom autodepreciativo: “eu sou pessoa sem caráter, vagabundo” e “deixei minha filha passar fome e estou me divertindo’’. O homem então ajuizou ação indenizatória contra a ex-companheira, já que a postagem atraiu vários comentários questionando o seu caráter. Pediu 20 salários mínimos pelos danos morais causados.
À 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Sul, a ré admitiu ter utilizado a senha do ex-companheiro para publicar a mensagem. Disse que estava em ‘‘estado de desespero’’, pois este não pagava a pensão alimentícia para a filha, mesmo sendo cobrado há vários meses. Afirmou ter acessado a conta para descobrir no que ele gastava o salário. Admitiu que foi acometida de ‘‘um surto de descontrole’’ ao descobrir que o salário do autor era gasto todo em festas, enquanto ela passava dificuldades. Por fim, sustentou que ‘‘estava no direito’’ de extravasar suas angústias e preocupações.
Questões conjugais
O juiz André Luís de Moraes Pinto reconheceu que a postagem tinha nítida potencialidade para violar os direitos de personalidade da parte autora, pois excedeu a mera crítica pessoal, dando indícios de ato ilícito. Entretanto, ponderou que a conjuntura em que se deu a manifestação trouxe à tona questões conjugais que descambaram para ações judiciais, exigindo solução diversa da condenação por responsabilidade civil.
Em consulta ao sistema eletrônico do TJ-RS, o julgador verificou a existência de várias ações entre as partes litigantes, incluindo revisão de guarda da filha, pensionamento e medidas protetivas, além de dois processos-crime contra a honra. Além disso, ressaltou que a parte autora não comprovou ter pagado, no prazo certo, a obrigação alimentar.
Para o julgador, esse quadro oferece ‘‘justificativa razoável’’ para elidir a responsabilidade da ré, pressionada pela situação vivenciada e inconformada com o fato de o pai não pagar a pensão.
‘‘O ato, tal como praticado, desvela o desespero pelo qual foi tomada. Contudo, esta decisão não significa um salvo-conduto para autora no futuro, devendo extrair aprendizado do que se sucedeu e procurar conter seus impulsos, optando por buscar caminhos adequados, por meio dos quais irão transitar seus reclames. É o que entendo mais justo na situação em liça. Pelo fio do exposto, julgo improcedente a pretensão civil’’, escreveu na sentença.
Conduta reprovável
A sentença acabou reformada pelos integrantes da 9ª Câmara Cível do TJ-RS, por entenderem que as eventuais condutas reprováveis do autor não excluem a responsabilidade da demandada, podendo, apenas, atenuá-la. Ou seja, essas condutas podem ser ponderadas no momento de quantificar o quantum indenizatório.
O relator da apelação, desembargador Eugênio Facchini Neto, observou que há meios de as pessoas resolverem os seus problemas, mas certamente invadir o Facebook de ex-companheiro, para depreciá-lo, não está entre eles. Assim, os atos praticados pela ré são suficientes para levar ao reconhecimento do dever de reparação moral.
‘‘Afinal, reafirmo, a circunstância de a ré estar alegadamente desesperada em razão de o autor não estar pagando a pensão alimentícia da filha — fato que a teria feito ter um dito ‘surto de descontrole’ ao descobrir, por meio do acesso desautorizado ao Facebook, que o demandante estaria gastando dinheiro em festas —, não consiste em excludente de ilicitude’’, explicou no acórdão.
Após analisar o caso concreto, Facchini Neto arbitrou o valor da indenização por danos morais em R$ 300, valor a ser corrigido desde 1º de setembro de 2015 — data da postagem na rede social. O relator destacou a falta de cuidado do autor na administração de sua conta na rede social, já que a ré conseguiu acesso ao perfil porque ele não tomou a cautela de trocar a senha.
‘‘Sopeso, também, a ausência de demonstração do alcance que as mensagens tiveram; ou seja, das reais repercussões que elas tenham tido perante terceiros e dos efeitos negativos provocados ao requerente’’, concluiu no voto.
Fonte: Conjur
Fonte: Salari Advogados
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Sócio-fundador do escritório Salari Advogados; delegado de prerrogativas e membro do Comitê de Celeridade Processual da OAB/RJ; especialista em Direito Público e Privado pela Cândido Mendes; advogado colunista e convidado da rádio Bandeirantes – Bandnews; membro efetivo e convidado do programa de rádio e websérie Direitos e Deveres; colunista e especialista em Direito, convidado dos jornais O Globo e Extra.