Já ouviu alguma história de que alguém virou dono de uma propriedade sem ter que comprá-la? E de alguém que mora há anos no mesmo lugar, mas foi expulso pelo verdadeiro dono? Pois é! Tudo isso é possível e, no Direito, é pertinente ao instituto da usucapião, que é um assunto tratado de acordo com o Código Civil.
A saber, a usucapião é um direito real no qual alguém está com a posse de uma propriedade (casa, terreno, apartamento, carro etc.) e, respeitando diversas exigências da lei, pode tornar-se dona dela. Esse é um procedimento bem comum nas zonas rurais do país, mas também existem casos em áreas urbanas. Vale lembrar que ela pode ser utilizada tanto para imóveis quanto móveis. Mas este artigo focará especialmente na primeira.
1) A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Para entender melhor o motivo da usucapião existir, é preciso ficar atento a um dos princípios fundamentais da nossa Constituição: a função social da propriedade. Num país com altos índices de desigualdade, como o Brasil, o Direito tenta ao menos possibilitar aos cidadãos acesso a saúde, educação e moradia. Sendo assim, a propriedade está diretamente ligada com as necessidades de sobrevivência do indivíduo. Dessa forma, a usucapião serve para que a propriedade cumpra sua função social. Isso possibilita ao indivíduo que já está na posse da propriedade por um longo tempo poder chamá-la de realmente sua.
2) REQUISITOS DA USUCAPIÃO
Afinal, o que pode sofrer usucapião? O mais comum são as propriedades. Mas existem também outros casos. Os requisitos para a transformação de posse em propriedade pela usucapião são:
- Posse com cinco características;
- Decurso do tempo;
- Coisa no comércio ou bem hábil;
- Declaração judicial;
- Registro no cartório do Registro de Imóveis, quando recair sobre bem imóvel, ou em outro registro exigível (Ex.: Detran, em caso de veículo).
As cinco características da posse
Não é qualquer tipo de posse que pode sofrer usucapião. Já imaginou se alguém invadisse a sua casa, te expulsasse e, mesmo você tentando recuperá-la, essa pessoa conseguisse virar a proprietária? Isso não é permitido pela lei.
1.Pública
A primeira característica da posse é que ela precisa ser pública. Ou seja, todos na vizinhança devem reconhecer que o indivíduo, ou a família dele que está morando ali, é dono da casa. Por exemplo: “Seu José mora aqui?” / “Claro! As filhas cresceram todas aqui, agora tá com as netinhas que acabaram de nascer!” Esse é o tipo de reação que a vizinhança deve ter em relação a quem está com a posse).
2.Independência
A segunda característica é a independência. Isto é, o indivíduo que está na propriedade não pode estar lá por causa de um contrato (de aluguel, por exemplo), ou sendo subordinado (como um caseiro). Portanto, ele deve estar livre de qualquer vínculo.
3.Justa
A terceira característica é que a posse deve ser justa. Isso quer dizer que ela não pode ter sido adquirida e mantida por violência ou clandestinamente. Vale ressaltar que por mais que a posse tenha sido adquirida violentamente ou clandestinamente, se nada fizer o dono da propriedade, ela pode sim tornar-se objeto de usucapião.
4.Continuidade
A quarta característica que a posse deve apresentar é a continuidade. Em outras palavras, a posse deve ser sem interrupção. O indivíduo deve agir como dono durante todo o intervalo de tempo em que está ali. Mas atenção! Isso não quer dizer que ele precisa estar morando ali o tempo todo. A propriedade, na verdade, não precisa necessariamente ser sua moradia. Para a usucapião, desde que você cuide do bem e utilize o bem, agindo como dono, já é suficiente.
5. Sem oposição
A quinta e última característica é que a posse deve ser sem oposição. Sendo assim, ela não deve ser contestada pelo proprietário, durante o tempo da posse. Ou seja, se, após o decorrer do tempo mínimo para a usucapião, o proprietário resolver se opor, não irá adiantar. Essa oposição deve ser feita o quanto antes.
Decurso de tempo
Por quanto tempo um possuidor deve ter a coisa antes de tornar-se proprietário? Depende. Isso irá variar para cada tipo de usucapião que existe. O mais rápido é de dois anos e o mais demorado chega a ser de 15 anos. O mais comum, todavia, é que o decurso de tempo seja de 15 anos com uma possibilidade de reduzir para 10 anos, conforme o artigo 1.238 do Código Civil:
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”
Coisa no comércio ou bem hábil
O que seria “coisa no comércio” ou “bem hábil”? Seria aquilo que está disponível a ser negociado. Quase tudo se encaixa nesse quesito, portanto, é mais fácil dizer o que não pode ser alienável, como os bens públicos, por exemplo. Sendo assim, por mais que a pessoa respeite todos os requisitos para a usucapião, se aquilo pertencer a algum órgão público, não será possível proceder com o processo.
Declaração judicial e registro no Cartório de Registro de Imóveis
Precisa de declaração judicial ou de registro para conseguir ter o título de propriedade? Nos casos de usucapião, sim. Para transformar a posse em propriedade dessa maneira, é necessário que se declare judicialmente através de uma sentença determinada pelo juiz. Após conseguir essa declaração, o indivíduo deve registrá-la. Sendo assim, se for um imóvel, isso terá de ser feito no Cartório de Registro de Imóveis; caso seja algum bem móvel, deve ser feito no respectivo registro (DETRAN, em casos de carro, por exemplo).
3) O QUE FAZER?
Esses são os requisitos básicos para que aconteça a usucapião. No entanto, existem diversas exceções e especificidades. Existem tantos detalhes que o nosso Código Civil dividiu a usucapião em espécies.
Portanto, a princípio, a usucapião pode parecer injusta, pois ela permite que alguém possa se tornar dona de algo que nem sempre lhe pertenceu. Porém, é fácil notar que não é tão simples assim. Se o proprietário zelar pela sua propriedade, podemos dizer que é impossível que ela se torne objeto de usucapião. Para não dar chance ao erro, se o dono pretende se ausentar por anos de sua casa, por exemplo, é aconselhável colocá-la para aluguel.
A usucapião é um assunto cheio de detalhes e pouco explorado em nossa sociedade. Ela possui diversas espécies e pode confundir tanto o possuidor quanto o proprietário sobre qual deve ser utilizado na Justiça.
Assim, ao se deparar com algum tipo de situação como essa, o mais recomendado é procurar um profissional especializado em Direito Civil, pois o advogado será capaz de, na Justiça, lutar para transformar sua posse em propriedade ou, defender a propriedade que você já tem.
Gostou desse conteúdo? Deixe seu comentário!
Até mais!
Fonte: Salari Advogados
Leia mais artigos em nosso blog
Telefones para contato:
(21) 3594-4000 (Fixo)
E-mail: [email protected]
Facebook | Instagram | YouTube
Endereço: Rua da Quitanda, nº 19, sala 414 – Centro (esquina com a Rua da Assembléia, próximo à estação de metrô da Carioca).
Sócio-fundador do escritório Salari Advogados; delegado de prerrogativas e membro do Comitê de Celeridade Processual da OAB/RJ; especialista em Direito Público e Privado pela Cândido Mendes; advogado colunista e convidado da rádio Bandeirantes – Bandnews; membro efetivo e convidado do programa de rádio e websérie Direitos e Deveres; colunista e especialista em Direito, convidado dos jornais O Globo e Extra.